sábado, 14 de setembro de 2013

BLOCO DE HOJE A OITO: UM COLETIVO HETEROGÊNEO (Morgana Gomes)




Preparei meu coração
Porque já vem chegando o carnaval
(carnaval)
To revivendo a tradição
e vou pra rua com meu pessoal
(vou desfilar)
Vou desfilar com alegria,
meu bloco não tem patrão,
só multidão e poesia
aqui não tem corda
vem brincar neste cordão

olê olê olê olê olá
De Hoje a Oito Santo Antônio vai sambar

olê olê olê olê olá
Vem minha gente quero ver sacolejar1


O De Hoje a Oito é um movimento cultural que reúne artistas e amigos2, com o objetivo de colocar um bloco de carnaval nas ruas de Salvador e, mais precisamente, nas ladeiras do Santo Antônio. Em suas primeiras reuniões semanais, realizadas nas quintas-feiras que confluíam com as reuniões do GIA, em seu QG-sede, na casa 7, do bairro, constituíamos um espaço-tempo, onde questões referentes à produção do bloco eram pensadas e decididas. O processo de produção do bloco, iniciado em 2011, implicava na pesquisa sobre o samba, que contou com fontes e mostras audiovisuais3, arrecadação de fundos para produção de instrumentos musicais (surdos, caixas, repiques, agogôs, tamborins e chocalhos), aulas e ensaios abertos com o sambista Ênio Bernardes e demais ações necessárias para “botar o bloco na rua”. Foi lançado um convite público via meios analógicos e digitais, para participação no bloco, cujo processo está sendo compartilhado em suas páginas virtuais, do blog4 e do facebook5

No decorrer das apresentações, ensaios abertos, aulas, reuniões, festas, encontros, e apresentações públicas (na festa de Yemanjá e na festa do Santo Antônio, em 2012), o bloco proporcionou uma intensa troca de saberes e fazeres, constituindo-se como uma experiência coletiva autônoma e heterogênea, que reúne elementos tradicionais e contemporâneos da nossa cultura, como o samba, o bloco de carnaval de rua e a performance artística. A experiência ainda em movimento do bloco é movida pelo desejo de produzir e experimentar um viver comunitário que se contraponha às opressões da cidade, novas relações de sociabilidade e afeto, através de práticas culturais e festivas características da nossa cultura, que atravessam diversas questões, entre elas, a apropriação do espaço público e a resistência criativa. O processo coletivo do bloco De Hoje a Oito implica em um método não-hierárquico de produção, a partir do qual produzimos figurinos, festas, mostras audiovisuais, painéis acadêmicos, entre outros artefatos, através de uma troca de competências que não tem a moeda como valor de troca ou finalidade. O bloco possui ainda uma autonomia que implica, entre outras coisas, em uma autogestão coletiva, seja econômica ou produtiva, na qual o próprio samba é o meio de sustentabilidade financeira (em uma dimensão micropolítica e microeconômica), através de nossas festividades, na qual a divisão de tarefas é horizontal e espontânea. 
 
A primeira apresentação pública do De Hoje a Oito, na festa de Yemanjá, em 2 de Fevereiro, no Rio Vermelho, foi regada de branco e azul. A saída carnavalesca, por sua vez, assumiu cores escolhidas de maneira coletiva, aleatória e lúdica (tal como o nome do Bloco), sendo elas o marrom, o azul, o amarelo, o verde e o rosa. Cada ‘ala’ se organizou livremente para composição de um padrão estético. Assim, os tocadores dos surdos fizeram uma homenagem às baianas, os dos repiques se vestiram de caixeiros viajantes, os dos tamborins e chocalhos tornaram-se divas inspiradas em Carmem Miranda, os das caixas usaram coroas inspiradas na estética indígena, e os dos agogôs, dos quais fiz parte, se remeteram às formas dos dinossauros. Tivemos ainda uma porta bandeira, que dançava com uma saia rodante e seu par, em alusão às escolas de samba, levando o estandarte do Bloco. Diversos foliões acompanharam a nossa saída, dançarinas fantasiadas compunham o cenário. Durante o circuito que teve seu início e fim no Largo do Santo Antônio, o Bloco saudava seus colaboradores, com paradas na frente de suas casas, bares ou ateliês. A saída carnavalesca chamou a atenção de diversos fotógrafos presentes, provocando uma rápida disseminação do Bloco na internet. Na festa do Santo Antônio, em maio de 2012, o bloco abandonou o padrão estético do figurino carnavalesco, realizando uma rápida apresentação em volta do Largo, em cores livres e corpo reduzido.

O De Hoje a Oito retoma uma tradição ofuscada pela capitalização da cultura e das relações sociais. A resistência criativa do bloco foi se revelando não apenas em seu modus operandi e tempo-espaço escolhido, mas na sua atuação em contextos sociais mais delicados, como a greve da polícia militar, tempos antes do carnaval, em 2012. Enquanto muitas atividades culturais estavam sendo desmarcadas, dado o alto grau de violência vivenciada na cidade, nesse período, o bloco manteve suas reuniões noturnas no Largo, em um desejo que se sobrepôs ao risco e ao medo generalizado. Esse foi, certamente, o momento de maior resistência e relevância micropolítica do Bloco, cuja saída carnavalesca aconteceu uma semana antes do carnaval oficial e do espetáculo a que ele corresponde. 
 
1 Samba-enredo do bloco De Hoje a Oito (letra e composição: Pedro Abib).
2 Entre eles o GIA, o Grupo Botequim, o Samba das Moças, e outros artistas independentes, bem como a colaboração de compositores e ritmistas da “velha guarda” do samba baiano, tais como Ginga de Ogum, Walmir Lima, Seu Reginaldo de Itapuã, Martinho da Cuíca, Firmino de Itapuã, Carlos Saci, Almir do Apaxe, Nelson Rufino e Edson 7 Cordas.
3 Destaque para o documentário Carnaval de luxo e ilusão: a história das escolas de samba de Salvador, de Conceição Ferreira de Souza (Diretora e Roteirista).
4 http://dehojeaoito.blogspot.com.br/
5 http://www.facebook.com/pages/Bloco-De-Hoje-a-Oito/288870097835868?fref=ts

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