Preparei
meu coração
Porque
já vem chegando o carnaval
(carnaval)
To
revivendo a tradição
e
vou pra rua com meu pessoal
(vou
desfilar)
Vou
desfilar com alegria,
meu
bloco não tem patrão,
só
multidão e poesia
aqui
não tem corda
vem
brincar neste cordão
olê
olê olê olê olá
De
Hoje a Oito Santo Antônio vai sambar
olê
olê olê olê olá
Vem
minha gente quero ver sacolejar1
O
De
Hoje a Oito é
um movimento cultural que reúne artistas e amigos2,
com
o objetivo de colocar um bloco de carnaval nas ruas de Salvador e,
mais precisamente, nas ladeiras do Santo Antônio. Em suas primeiras
reuniões semanais, realizadas nas quintas-feiras que confluíam com
as reuniões do GIA, em seu QG-sede,
na
casa 7, do bairro, constituíamos um espaço-tempo, onde questões
referentes à produção do bloco eram pensadas e decididas. O
processo de produção do bloco, iniciado em 2011, implicava na
pesquisa sobre o samba, que contou com fontes e mostras
audiovisuais3,
arrecadação
de fundos para produção de instrumentos musicais (surdos, caixas,
repiques, agogôs, tamborins e chocalhos), aulas e ensaios abertos
com o sambista Ênio Bernardes e demais ações necessárias para
“botar o bloco na rua”. Foi lançado um convite público via
meios analógicos e digitais, para participação no bloco, cujo
processo está sendo compartilhado em suas páginas virtuais, do
blog4
e do facebook5.
No
decorrer das apresentações, ensaios abertos, aulas, reuniões,
festas, encontros, e apresentações públicas (na festa de Yemanjá
e na festa do Santo Antônio, em 2012), o bloco proporcionou uma
intensa troca de saberes e fazeres, constituindo-se como uma
experiência coletiva autônoma e heterogênea, que reúne elementos
tradicionais e contemporâneos da nossa cultura, como o samba, o
bloco de carnaval de rua e a performance artística. A experiência
ainda em movimento do bloco é movida pelo desejo de produzir e
experimentar um viver comunitário que se contraponha às opressões
da cidade, novas relações de sociabilidade e afeto, através de
práticas culturais e festivas características da nossa cultura, que
atravessam diversas questões, entre elas, a apropriação do espaço
público e a resistência criativa. O processo coletivo do bloco De
Hoje a Oito implica
em um método não-hierárquico de produção, a partir do qual
produzimos figurinos, festas, mostras audiovisuais, painéis
acadêmicos, entre outros artefatos, através de uma troca de
competências que não tem a moeda como valor de troca ou finalidade.
O bloco possui ainda uma autonomia que implica, entre outras coisas,
em uma autogestão coletiva, seja econômica ou produtiva, na qual o
próprio samba é o meio de sustentabilidade financeira (em uma
dimensão micropolítica e microeconômica), através de nossas
festividades, na qual a divisão de tarefas é horizontal e
espontânea.
A
primeira apresentação pública do De
Hoje a Oito,
na festa de Yemanjá, em 2 de Fevereiro, no Rio Vermelho, foi regada
de branco e azul. A saída carnavalesca, por sua vez, assumiu cores
escolhidas de maneira coletiva, aleatória e lúdica (tal como o nome
do Bloco), sendo elas o marrom, o azul, o amarelo, o verde e o rosa.
Cada ‘ala’ se organizou livremente para composição de um padrão
estético. Assim, os tocadores dos surdos fizeram uma homenagem às
baianas, os dos repiques se vestiram de caixeiros viajantes, os dos
tamborins e chocalhos tornaram-se divas inspiradas em Carmem Miranda,
os das caixas usaram coroas inspiradas na estética indígena, e os
dos agogôs, dos quais fiz parte, se remeteram às formas dos
dinossauros. Tivemos ainda uma porta bandeira, que dançava com uma
saia rodante e seu par, em alusão às escolas de samba, levando o
estandarte do Bloco. Diversos foliões acompanharam a nossa saída,
dançarinas fantasiadas compunham o cenário. Durante o circuito que
teve seu início e fim no Largo do Santo Antônio, o Bloco saudava
seus colaboradores, com paradas na frente de suas casas, bares ou
ateliês. A saída carnavalesca chamou a atenção de diversos
fotógrafos presentes, provocando uma rápida disseminação do Bloco
na internet. Na festa do Santo Antônio, em maio de 2012, o bloco
abandonou o padrão estético do figurino carnavalesco, realizando
uma rápida apresentação em volta do Largo, em cores livres e corpo
reduzido.
O De
Hoje a Oito retoma
uma tradição ofuscada pela capitalização da cultura e das
relações sociais. A resistência criativa do bloco foi se revelando
não apenas em seu modus
operandi
e tempo-espaço escolhido, mas na sua atuação em contextos sociais
mais delicados, como a greve da polícia militar, tempos antes do
carnaval, em 2012. Enquanto muitas atividades culturais estavam sendo
desmarcadas, dado o alto grau de violência vivenciada na cidade,
nesse período, o bloco manteve suas reuniões noturnas no Largo, em
um desejo que se sobrepôs ao risco e ao medo generalizado. Esse foi,
certamente, o momento de maior resistência e relevância
micropolítica do Bloco, cuja saída carnavalesca aconteceu uma
semana antes do carnaval oficial e do espetáculo a que ele
corresponde.
1
Samba-enredo do bloco De Hoje a Oito (letra e composição: Pedro
Abib).
2
Entre eles o GIA, o Grupo Botequim, o Samba das Moças, e outros
artistas independentes, bem como a colaboração de compositores e
ritmistas da “velha guarda” do samba baiano, tais como Ginga de
Ogum, Walmir Lima, Seu Reginaldo de Itapuã, Martinho da Cuíca,
Firmino de Itapuã, Carlos Saci, Almir do Apaxe, Nelson Rufino e
Edson 7 Cordas.
3
Destaque para o documentário Carnaval de luxo e ilusão: a história
das escolas de samba de Salvador, de Conceição Ferreira de Souza
(Diretora e Roteirista).
4 http://dehojeaoito.blogspot.com.br/
5 http://www.facebook.com/pages/Bloco-De-Hoje-a-Oito/288870097835868?fref=ts